segunda-feira, 13 de setembro de 2010

- QUANDO FALTA INSPIRAÇÃO... -

...a gente usa a dos outros. E hoje, vai um texto de Clarice Lispector, com adaptações.


"Rifa-se um coração quase novo. Um coração idealista. Um coração como poucos. Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.

Rifa-se um coração que na realidade está um pouco usado, meio calejado, muito machucado e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões. Um pouco inconsequente, que nunca desiste de acreditar nas pessoas. Um leviano e precipitado coração. Um idealista... Um verdadeiro sonhador...

Rifa-se um coração que nunca aprende. Que mantém sempre viva a esperança de ser feliz, sendo simples e natural. Um furioso suicida que vive procurando relações e emoções verdadeiras.

Rifa-se um coração que insiste em cometer sempre os mesmos erros. Esse coração que erra, briga, se expõe. Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões. Sai do sério e, às vezes, revê suas posições arrependido de palavras e gestos. Este coração tantas vezes incompreendido. Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.

Rifa-se este desequilibrado emocional que, abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas, mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto. Um coração para ser alugado, ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes. Um órgão abestado indicado apenas para quem quer viver intensamente e, contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida matando o tempo, defendendo-se das emoções.

Rifa-se um coração tão inocente que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário. Um coração que quando parar de bater, ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas: 'O Senhor poder conferir: eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento. Só fiz bobagens e me dei mal quando ouvi este louco coração de criança que se recusa a envelhecer'.

Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro que tenha um pouco mais de juízo. Um órgão mais fiel ao seu usuário. Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga. Um coração que não seja tão inconsequente.

Rifa-se um coração cego, surdo e mudo, mas que incomoda um bocado. Um verdadeiro caçador de aventuras que, ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais, por não querer perder o estilo. Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree. Um simples coração humano. Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado. Um modelo cheio de defeitos. Um velho coração que convence seu usuário a publicar seus segredos e a ter a petulância de se aventurar como poeta.

Doug
Nada Como Viver!!!
13 de Setembro de 2010