quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

- Dai aos Gays o que é dos Gays e a Deus o que é de Deus? O que é isso? -

Com a equiparação das relações homoafetivas às uniões estáveis vivenciadas pelos casais heterossexuais, e com o reconhecimento pelo STF (Supremo Tribunal Federal), corte máxima do poder judiciário no Brasil, alguns cristãos começaram a justificar um tanto de coisas para não serem confundidos com preconceituosos, ou ainda, numa tentativa de maquiagem da repulsa começaram a fazer distinção entre as uniões homoafetivas e as uniões bíblicas.

Numa dessas, tomei conhecimento de um texto intitulado: “Daí aos gays o que é dos gays e a Deus o que é de Deus”.

O autor, em seu argumento, diz que Jesus fez uma separação: do que é político do que é religioso; não se posicionou em questões políticas, mas não deixou de pontuar o que era concernente ao reino de Deus. Faz uma separação entre a Igreja e o Estado, alegando que civilmente os gays têm direitos e estes devem ser a eles aplicados, mas concernente ao reino de Deus, não serão considerados como ENTIDADE FAMILIAR, pois a família foi instituída por Deus entre um homem e uma mulher, sendo este um princípio das Escrituras.

Bem, primeiramente não concordo com o pressuposto de onde foi embasado o argumento: “Gays aos gays, Deus a Deus”. Muito claramente Jesus não se esquivou do debate, quanto muito menos deixou de ser um crítico das ambições humanas naquele contexto. Os fariseus foram testar Jesus na questão; se Jesus se pronunciasse contra os impostos, ele estaria se pronunciando contra Roma, e poderia ser julgado e morto por isso; se Jesus autorizasse os impostos o povo ficaria decepcionado, pois ele afirmaria a dominação romana sem restrições sobre os judeus.

Jesus pergunta de quem é a face impressa na moeda, e eles respondem: “é de César!”. E então Jesus acode: “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”.

Para Deus não é uma moeda, ou os impostos, mas é toda a vida em sua plenitude, é toda a consciência transformada e voltada para o reino de Deus. Jesus sempre disse dos perigos das riquezas e, definitivamente, o sistema financeiro dos homens, a face de César, não faz parte do caráter do Reino; que é partilha do pouco para todos... Como foi na partilha dos cinco pães e dois peixes alimentando a multidão; como é a partilha para o ladrão, que te rouba uma túnica e você entrega a outra também; como é a partilha daquele que te esbofeteia na face esquerda e você oferece à direita; como é partilha ao que te obriga a caminhar uma légua e você caminha duas.

Como é a partilha da vida que na cruz se dá por todos sem distinção para a salvação. Jesus não ajunta em celeiros, sua economia é a do bem comum. Aquilo que é de um é de todos, pois quando o homem ajunta ele traz consigo a ganância, o individualismo a posse. Jesus é sinônimo de partilha, de fruição comum e não restrita. Dele são as palavras: “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça e todas as coisas vos serão acrescentadas.” O reino de Jesus é o reino de Deus, que não é desse mundo; sua lógica é inversa! Nem o império romano, nem a política dos judeus servem ao reino de Deus, pois a lógica deles é a do ter, mas, a do Reino de Deus é a do SER em partilha como a imagem do próprio Deus, que é trino, e cada pessoa se partilha uma nas outras, se doa uma nas outras sendo uma única substância, tudo entre eles é partilhado e sentido. Assim é o Reino, assim deveriam ser homens do Reino.

Quando Jesus afirma: “daí a César o que é de César”, ele está dizendo que o que é de César não é de Deus! Quando o autor do texto diz: “daí aos gays o que é dos gays”, ele está tentando dizer que os gays não são de Deus... O que fica evidenciado imediatamente no argumento posterior quando aufere: “se você me perguntar se um casal gay pode ser considerado uma entidade familiar eu lhe direi que não, pois isto fere um princípio das Escrituras onde Deus estabelece a família como sendo a união entre um homem e uma mulher.”.

Princípio da Escritura? Qual princípio? Se essa assertiva for verdadeira eu desconheço o que é a teologia!

Primeiramente, há um único princípio que norteia fundamentalmente a teologia da criação, este, a saber, a remissão! Israel só começou a dizer da criação em textos recentes à época da produção teológica e literária de seu povo como os documentos “P, D”. Ou seja, pouco antes do século VI a.C, Israel é silente quanto uma história da criação. O que é mais curioso, esse fenômeno acontece no meio da vivência do povo hebreu com o cananeu, que era um povo místico de uma esfera religiosa densa. Mas o antigo credo não continha nada sobre criação. A subsistência, a benção e a proteção divinas, para Israel, não provinham de meio mítico como para os cananeus.

Quando a teologia da criação começa ser produzida, ela o é intercalando o pensamento de um Deus que cria no conjunto teológico da história da salvação. Assim homem e mulher são feitos a imagem e a semelhança de Deus como diz o texto de Gn 1, 27. No degrau mais alto da obra criadora, com relação direta, diferentemente de todo o restante da ação criadora que é indireta (documento P). Só que outra curiosidade se estabelece na questão da SEXUALIDADE. Israel SEMPRE AFASTOU INTEIRAMENTE à ideia de sexo, e de qualquer função sexual, a respeito de Iahweh. O que surpreende pelo contexto, pois os cananeus tinham por princípio espiritual divindades que conduziam a fecundidade, mas para Israel a polaridade sexual era de ordem social e não espiritual, assim, homem e mulher são idênticos no documento P, são imagem e semelhança de Deus.

Já no documento “J” encontramos a sentença: “deixará o homem a casa de seus pais unirá a sua esposa e serão feitos uma só carne”. Mas, também, há que se considerar o fato dessas tradições falarem de uma teologia diferente. A criação da mulher nessa teologia é separada da criação do homem, ela é dada como presente para o homem, no sentido de posse do homem, ela é semelhante ao homem e não IDÊNTICA a ele; uma contradição com o documento “P” em Gn 1,27. Enquanto o documento P se preocupa com o mundo e com o homem no mundo, o documento J se preocupa com o mundo em relação ao homem MASCULINIZADO, tudo girando em torno dele, suas aspirações imediatas, ou seja, a criação está em relação direta e íntima a dominação do homem nela. Aqui não há um princípio “escrituristico”, mas a definição social dos papéis representados na criação e sua função social sem a interferência do divino. Pois, na ordem metafísica do ser, a mulher é um pouco superior aos animais, mas inferior ao homem, sendo para ele auxiliadora. Assim se dá sua constituição, e isso não é princípio espiritual, mas é ordem social que exalta a grandeza do masculino sobre o feminino numa identidade patriarcal.

Assim dizer que entidade familiar homoafetiva não é aceita pela Bíblia é o mesmo que afirmar que a entidade familiar heterossexual aceita pelas escrituras tem que submeter a mulher em condição de posse do marido, do homem, do macho, uma exaltação do documento J fora de todo o contexto teológico da salvação. Se tal leitura é superada pela Igreja e pelo cristianismo moderno, qual é a crise em se alargar o contexto da entidade familiar, sendo a leitura literal ultrapassada e sem expressão nos dias de hoje, inclusive dentro da igreja?

Os gays têm direito ao Deus, e nenhuma igreja será capaz de dizer o contrário a isso. Homossexualidade não é pecado, e Deus não condena as relações homossexuais. A teologia não é posse de denominação institucional nenhuma, e, portanto, argumentos como o desse texto “Gays aos gays, Deus a Deus” são menos nobres do que os do Silas Malafaia ou de Jair Bolsonaro, pois eles são preconceituosos e honestos ao se assumirem assim, mas esse texto é hipócrita e mostra uma discriminação sutil e travestida de aceitação.

Doug
Nada Como Viver!!!
21 de Janeiro de 2016