domingo, 10 de janeiro de 2016

- A Crise no Carnaval de Salvador -

O axé music chega aos 30 anos encarando uma crise artística e econômica.
Ainda que negada por seus principais protagonistas, a situação se manifesta no esvaziamento dos trios - as multidões não vão mais a Salvador como iam durante os anos 90 - e na percepção dos próprios produtores musicais de que a cidade não tem emplacado artistas com o mesmo impacto que antes.
"Eu escuto [falar em crise no axé] desde 93, porque achavam que eu era cantora de um verão só", ironiza Daniela Mercury. "Crise? Que crise?", perguntou-se Ivete Sangalo. "Eu nunca acreditei em crise no axé music", continua Bell Marques, ex-Chiclete com Banana. "Eu posso não ser o parâmetro, mas, desde 1986 para cá, a minha média de é de 130 shows por ano. Então eu não sei onde está essa crise."

Com ou sem crise, o fato é que o Carnaval de Salvador de 2016 já registra uma queda de 60% nas vendas de passagens aéreas no mesmo período do ano passado. Além disso, há uma invasão de trios elétricos liderados por não-baianos, especificamente de artistas do novo sertanejo, o gênero musical mais bem-sucedido hoje no Brasil.

A gente não sabe o que vai acontecer com essa manipulação comercial do Carnaval, o sucesso do Carnaval fica dependente do sucesso do momento, que hoje não é mais baiano. Os blocos afro ficam cada vez mais escondidos porque não são sucesso de mídia. Os verdadeiros artistas de Carnaval ficam de fora.

O mercado criado ao redor da música baiana foi feito de forma muito predatória e não respeitava as nuances entre cada uma das diferentes tradições do Carnaval. Ele tem méritos, claro: criou um mercado forte, que vende discos, mas, quando o mercado de discos quebra, isso cai em cascata, provando que não se sustenta artisticamente. O próprio modelo do Carnaval contribuiu muito negativamente, e todo o mundo que produz música na Bahia que não é desse tipo sente esse preconceito que acabou se criando com qualquer música que é produzida na Bahia.

Há tempos há uma crise no axé music, agora ela é sentida por uma questão econômica. Mas a crise artística e criativa existe faz muito tempo, pois não surge nada de relevante, e era inevitável ela bater com a crise econômica. Só que os artistas e produtores ou não percebiam ou não queriam perceber, achavam que daria pra continuar ganhando dinheiro como sempre se ganhou.

Os grandes produtores de shows da Bahia sempre frequentaram a noite para saber o que tinha de novidade. E apoiavam artistas que já tinham respaldo nos seus guetos. O verdadeiro artista, que não depende da mídia. Aconteceu que alguns produtores começaram a se arvorar de produtor musical, e os novos artistas que eles encontraram não tiveram a mesma força dos anteriores, porque artista é um diamante bruto e precisa ser lapidado. Isso está começando a ser repensado, não porque eles entenderam isso, mas porque sentiram isso economicamente.

O problema sempre é a repetição. Como você tem um repertório de 30 anos, é muito fácil pescar aquela música esquecida que foi um sucesso num determinado ano, mas isso é muito intuitivo. Essa profissionalização que o axé music conseguiu do ponto de vista do mercado não alcançou o processo da criação musical, e aí a gente fica nesse marasmo, nessa repetição, e é isso mesmo. O que mais me incomoda no axé music é essa repetição. O Carnaval da Barra virou um negócio meio chato: uma sequência de shows repetitivos com o mesmo repertório, as cantoras usando as mesmas roupas, às vezes dos mesmos estilistas.

O axé veio de uma coisa espontânea e popular e deixou de ser. Eles deixaram de tocar para o povão. Tinha show para 30 mil pessoas em Salvador há 15 anos. Há muito tempo não tem mais isso, tirando o agora extinto Festival de Verão. E começaram a tocar, por exemplo, em Praia do Forte, cobrando ingresso a R$ 200 para 2.000 pessoas, numa coisa meio VIP. E abriu espaço para o pagode e o arrocha crescerem.

O pagode, que deu a primeira sobrevida ao gênero no meio dos anos 90, com a geração surgida após o hit "Segura o Tchan", seguiu sendo fonte dos hits do Carnaval baiano desde então (vide os sucessos "Vem Neném", "Rebolation" e "Lepo Lepo"), mas, em paralelo, veio o arrocha, um gênero de música mais afetado e latinizado, de onde surge Pablo, agora contratado da gravadora Som Livre.

Precisamos analisar a indústria que se formou o carnaval, e ir contra a tantos fatores prejudicais ao nosso povo e a nossa música. Respeito a música, criatividade artística, artistas serem fiéis ao ritmo que os projetaram durante todo o ano, e não apenas no verão para ganharem o seu dinheiro e viverem bem para o resto do ano. E sem dúvida ir contra a qualquer invasão de outros ritmos musicais no carnaval de Salvador, boicote? Porque não?! Precisamos ser fortes e acabar com esse "tipo" desrespeito a música do povo baiano.


Doug
Nada Como Viver!!!
10 de Janeiro de 2016