terça-feira, 4 de outubro de 2011

-A MARÉ NÃO ESTÁ PRA PEIXE-

Recebi agora a pouco uma ligação de uma pessoa que prefiro não citar o nome, mas que segundo ele, se sente traidor pela minha saída da empresa na qual eu trabalhava.
Ele hoje carrega consigo esse sentimento, pois sabia que isso iria acontecer e por infantilidade ou por querer subir de cargo, preferiu fazer parte do jogo sujo.
É, existem pessoas assim na face da Terra.

Por isso que eu digo que a maré não está pra peixe. O mundo empresarial é como um grande mar, com seus riscos e suas oportunidades. A maré sobe, desce, a onda bate, muita água, sol, agitação, insegurança. Tudo que queremos é sombra e água fresca, de preferência em terra firme, numa ilha paradisíaca, coqueiros, brisa no fim de tarde, o sol colorindo de laranja o céu e esticando seu reflexo por todo o mar. Ilusão. No mundo empresarial não existe terra firme. São miragens que criamos para nos incentivar, nos motivar a continuar navegando.

A hierarquia em alto mar é bem simples: capitão ou marujo. Patrão ou empregado. Se somos capitães, zelamos primeiramente pela embarcação, pois todos dependem dela. Algumas são meras jangadas, outras, monstruosas naves, mas o capitão zela primeiramente por ela. A responsabilidade e os problemas são proporcionais ao tamanho da embarcação e objetivo da missão. Depois, zelamos por toda a tripulação. mas isso não precisa ser publicado como regra, é indelicado e soa desumano, embora seja uma realidade. Se somos tripulação, primeiramente zelamos pela nossa vida, pois sem ela, do que valerá todo o resto? Depois no preocupamos com a embarcação, que é a nossa razão de navegar, fonte da nossa subsistência.

Todos querem a sombra e a água fresca, mas acabarão surrando o esfregão no convés. Querem o calor do sol, mas se contentarão descascando batatas em um porão escuro e úmido, e ficarão felizes assim. É o mistério dos mares. Sorrirão a cada manhã gratos por não estarem nadando como os demais que estão fora do barco, perdoarão as grosserias e injustiças do capitão e até lhe serão gratos por lhes permitirem ser seus humildes serviçais. A vida no navio não é muito fácil, não é muito justa, mas é confortável. Tem muito rato, muita doença, muitos riscos. Condições subumanas são admissíveis porque é melhor pensar que está no barco do que enfrentar o mar no peito. Talvez seja melhor as muitas apunhaladas pelas costas.

O mar é indomável. Não há embarcação que o enfrente e o vença. A onda bate, o navio balança. "Homem ao mar!" Lá se foi mais um. "Boa sorte!" "Até a próxima!" Hoje foi ele, amanhã poderá ser eu, mas como amanhã é um novo dia, antes ele do que eu. O importante é não parar de navegar.

O barco balançou e eu caí na água. Não andei de prancha, nem me retirei com um clássico mergulho. De certa forma, fui convidado a deixar o barco. Poderia ter me desesperado, mas fiz como me ensinaram, mantive a calma. Braço direito, braço esquerdo, respiração constante evitando movimentos desnecessários. Nadar era preciso!

Nadar nos disciplina, nos mantem fortes, controlados. Nadando nos conhecemos, conhecemos os nossos limites, repensamos nossas atitudes. As opiniões se tornam mais simples: nadar ou morrer. Eu preferi nadar e sempre vou preferir essa opção.

Visualizei algo ao longe. Acreditei ser terra firme, mas sabia no fundo que terra firme não existe. Talvez fosse um pedaço de madeira boiando, mas esse mero pedaço de madeira poderia vir ser uma canoa, que um dia se poderá se tornar uma jangada. Esta jangada poderá navegar até o dia que se tornará um barco e a partir deste pequeno barco procurarei construir a minha nova nave. Um Trirreme devastador ou o admirável Nautellus, não importa. Para o capitão não importa o tamanho da nave, importa o tamanho da missão. E a minha missão é nobre. Não conseguirei cumpri-la se não tiver o timão em minhas mãos.

O que visualizei ao longe, não importa se é terra firme ou um pedaço de madeira, é o meu objetivo. É o que me fará nadar em linha reta e não me deixará nadar em círculos como um desorientado. É o motivo de eu dar braçadas dia e noite. A razão de eu beber água salgada a cada onda e não desistir. Me cansar, querer dormir, querer parar e não ceder ao meu querer. Pois no meu íntimo, anseio pela conquista do meu objetivo. Essa assustadora ambição é mortal, mas talvez a sua falta mate com mais eficiência. É essa assustadora ambição que permitiu aos desbravadores conquistarem e explorarem reinos desconhecidos. Alcançaram seus posto na história enfrentando o mar aberto, o desconhecido, o temível, o inesperado. Talvez tivesse começando olhando um pedaço de madeira, que por algum momento assim como eu acreditaram ser terra firme.

No final todos nós nos encontraremos novamente. Barbudos, carecas, cansados, cheio de histórias, experiências, talvez arrependidos de alguma coisa, orgulhosos de algumas outras coisas, saudosos. Nos encontraremos no único lugar que jamais conseguiremos ver enquanto estivermos navegando. Não importa se estaremos nadando corajosamente ou capitaneando alguma embarcação, um dia nos encontraremos na praia, onde não será possível nadar e onde os navios não conseguem navegar. A praia é o fim. É onde termina toda navegação, é onde tocamos o inexistente, terra firme, nos olhamos, olhamos de onde vimos, olhamos onde chegamos e dizemos: Valeu a pena!


Doug
Nada Como Viver
04 de Outubro de 2011